domingo, 11 de setembro de 2011

CRÍTICA DO ESPETÁCULO LABIRINTO


SÁBADO, 10 DE SETEMBRO DE 2011
Labirinto por Roberto Oliveira
Labirinto*


“Há algumas décadas que é feito considerável esforço para integrar a obra de José Joaquim de Campos Leão, que adotou o nome de Qorpo Santo, não só como parte legítima da história da dramaturgia brasileira, como até mesmo como grande prenunciador do surrealismo e do absurdo. Produto de uma mente fértil e imaginosa, suas peças não escapam, na verdade, da incoerência e non sequitur da óbvia e dolorosa perturbação desta mesma mente, e, por isso mesmo, são muito raras as tentativas de encenar os textos do autor.”
Tive que transcrever aqui esta barbaridade proferida pela conceituadíssima e veneranda crítica de teatro Bárbara Heliodora. Não que ela não tenha o direito de pensar e falar o que bem entender, mas, cá entre nós, é um absurdo. É, mais ou menos, como dizer que a obra de Bispo do Rosário é muito rica e imaginativa e coisa e tal, mas que não passa de delírios de uma mente abalada. Dona Bárbara que me desculpe, mas não compactuo com tamanha besteira e continuo devotando um carinho especial pelo escritor Qorpo Santo, não só porque é da terrinha, mas porque tive oportunidade de mergulhar por inteiro na sua obra, que, aliás, é tratada de uma forma totalmente reverente na encenação que Moacir Chaves propõe em Labirinto. Moacir destaca o texto, destaca a “loucura” de Qorpo Santo que desafia o público com seus temas recorrentes: sexo, sexo e sexo. São três comédias encenadas, das quais a mais conhecida é As relações naturais, que é onde mais se identifica a pressão sofrida pelo autor entre a “prisão” exercida pelas convenções sociais e o desejo de dar vazão aos sentimentos e à libido. São três peças que obedecem à mesma concepção com pequenas variações sobre o tema. Utiliza a multiplicidade de vozes, alude à presença do autor em cena, amplifica a contundência de seus textos.
O cenário, que se inspira na profissão de mestre-escola desempenhada por Qorpo Santo, é apenas funcional e pouquíssimas vezes seus níveis são utilizados. O figurino de brechó propositalmente não fecha. Não evidencia nenhuma preocupação com alguma unidade temporal, cromática ou textual. As roupas femininas buscam alguma sensualidade e as masculinas apenas vestem os atores. O elenco é apenas eficiente, sem maiores destaques. Ou, pior, quando se destaca é ruim e apelativo. A encenação é quase uma leitura dramática, pois o que brilha é o texto e o gênio de Qorpo Santo, que, junto com sua caravana de personagens exóticos, passa incólume pelo julgamento da crítica, e mostra que continua afiado mesmo para uma plateia do século XXI. E cada vez que pensamos que estas peças foram escritas em 1866, um arrepio percorre a espinha: imagina-se o impacto que causariam no público que frequentava o recém-inaugurado Theatro São Pedro? Casamento gay, incestos, relações naturais, separações judiciais, mulheres libertinas, delírios religiosos...

* Roberto Oliveira é encenador e ator, fundador do grupo Depósito de teatro

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