domingo, 11 de setembro de 2011

MAIS CRÍTICA SOBRE O ESPETÁCULO LABIRINTO, NO PORTO ALEGRE EM CENA DE 2011.

LABIRINTO
Por Paulo Ricardo Kralik Angelini  September 8, 2011  Deixe um comentário
>>> LABIRINTO (Rio de Janeiro)
Direção: Moacyr Góes
Com: Adriana Seiffert, Andy Gercker, Danielle Martins de Farias, Denise Pimenta, Diego Molina, Fernando Lopes Lima, Gabriel Delfino, José Rarini, Leonardo Hinckel, Mariana Guimarães, Pâmela Côto, Renata Guida, Rita Fischer (Rio de Janeiro)

Um dos espetáculos mais bonitos a que assisti em 2009, no Porto Alegre em Cena, O silêncio dos amantes, era dirigido com inventividade por Moacyr Góes. Pois o mesmo diretor se fez presente nas primeiras atrações deste Festival que atinge a sua maioridade. E se naquele de dois anos atrás o diretor trabalhava com a obra de Lya Luft, mais uma vez, em Labirinto, um autor gaúcho era destaque: desta vez Qorpo Santo.
O dramaturgo, atormentado psicologicamente (por algumas vezes internado), teve uma produção teatral quase febril, pois em 5, 6 meses do ano de 1866 criou a maior parte de suas peças. Bastante inovador, tratou de temas ousados como o adultério, a prostituição, o homossexualismo, a perturbada relação familiar, em uma linguagem non-sense, com uma pitada precursora de Nelson Rodrigues.

A expectativa era, portanto, muito grande. O cenário de Labirinto é composto por muitas mesas e cadeiras sobrepostas, criando espécies de escadarias por onde a mais de uma dúzia de atores transita. A ideia de dividir praticamente todos os personagens dos três textos do dramaturgo (Na ordem: “A separação de dois esposos”, um fragmento de “Hoje sou um e amanhã sou outro” e “As relações naturais”) por quase todo o elenco não é muito original, mas parece, de início, uma boa sacada, que talvez representasse a esquizofrenia do autor. Uma mesma fala é repartida por diversos atores, nem sempre obedecendo ao sexo do personagem.

Outro ponto positivo é a leitura de toda a rubrica, de forma didática, debochada, e que garante os melhores momentos. Por vezes, uma mesma fala é repetida, gritada exaustivamente por um grande número de atores. E o que era uma boa ideia acaba se tornando um exercício um tanto enfadonho, repetitivo, bobo.
O ‘como dizemos o texto’ expõe suas vísceras de forma tão ostensiva que apaga as palavras de Qorpo Santo, ficando em um segundo plano. Os atores são ótimos, sem dúvida. Mas tudo se torna tão mecânico que eles acabam escondidos também sob as suas ações, incorporando personas: a atriz/personagem que não sorri, o ator/personagem que transborda afetação, a atriz/personagem que pisa no melodramático etc. Se há um esboço de sorriso na primeira vez que aparecem, logo cansam.
A direção de Labirinto é propositadamente hiperbólica, mas esse excesso acaba afastando a plateia do palco. O clichê de que o menos é mais, não respeitado aqui, talvez suavizasse um pouco a confusão. Ter um texto por si só excessivo seria suficiente para garantir um bom espetáculo. Porém, o que se viu foi uma plateia desanimada, que aplaudiu de forma protocolar o bom elenco. É uma pena quando vemos um trabalho que tinha tudo para dar certo escorregar no seu próprio exagero.
(* - – - -)
Argumento.net é veículo oficialmente credenciado ao PORTO ALEGRE EM CENA

CRÍTICA DO ESPETÁCULO LABIRINTO


SÁBADO, 10 DE SETEMBRO DE 2011
Labirinto por Roberto Oliveira
Labirinto*


“Há algumas décadas que é feito considerável esforço para integrar a obra de José Joaquim de Campos Leão, que adotou o nome de Qorpo Santo, não só como parte legítima da história da dramaturgia brasileira, como até mesmo como grande prenunciador do surrealismo e do absurdo. Produto de uma mente fértil e imaginosa, suas peças não escapam, na verdade, da incoerência e non sequitur da óbvia e dolorosa perturbação desta mesma mente, e, por isso mesmo, são muito raras as tentativas de encenar os textos do autor.”
Tive que transcrever aqui esta barbaridade proferida pela conceituadíssima e veneranda crítica de teatro Bárbara Heliodora. Não que ela não tenha o direito de pensar e falar o que bem entender, mas, cá entre nós, é um absurdo. É, mais ou menos, como dizer que a obra de Bispo do Rosário é muito rica e imaginativa e coisa e tal, mas que não passa de delírios de uma mente abalada. Dona Bárbara que me desculpe, mas não compactuo com tamanha besteira e continuo devotando um carinho especial pelo escritor Qorpo Santo, não só porque é da terrinha, mas porque tive oportunidade de mergulhar por inteiro na sua obra, que, aliás, é tratada de uma forma totalmente reverente na encenação que Moacir Chaves propõe em Labirinto. Moacir destaca o texto, destaca a “loucura” de Qorpo Santo que desafia o público com seus temas recorrentes: sexo, sexo e sexo. São três comédias encenadas, das quais a mais conhecida é As relações naturais, que é onde mais se identifica a pressão sofrida pelo autor entre a “prisão” exercida pelas convenções sociais e o desejo de dar vazão aos sentimentos e à libido. São três peças que obedecem à mesma concepção com pequenas variações sobre o tema. Utiliza a multiplicidade de vozes, alude à presença do autor em cena, amplifica a contundência de seus textos.
O cenário, que se inspira na profissão de mestre-escola desempenhada por Qorpo Santo, é apenas funcional e pouquíssimas vezes seus níveis são utilizados. O figurino de brechó propositalmente não fecha. Não evidencia nenhuma preocupação com alguma unidade temporal, cromática ou textual. As roupas femininas buscam alguma sensualidade e as masculinas apenas vestem os atores. O elenco é apenas eficiente, sem maiores destaques. Ou, pior, quando se destaca é ruim e apelativo. A encenação é quase uma leitura dramática, pois o que brilha é o texto e o gênio de Qorpo Santo, que, junto com sua caravana de personagens exóticos, passa incólume pelo julgamento da crítica, e mostra que continua afiado mesmo para uma plateia do século XXI. E cada vez que pensamos que estas peças foram escritas em 1866, um arrepio percorre a espinha: imagina-se o impacto que causariam no público que frequentava o recém-inaugurado Theatro São Pedro? Casamento gay, incestos, relações naturais, separações judiciais, mulheres libertinas, delírios religiosos...

* Roberto Oliveira é encenador e ator, fundador do grupo Depósito de teatro

sábado, 10 de setembro de 2011

Colagem de peças de Qorpo-Santo mostra a obra do nosso querido conterrâneo precursor do teatro do absurdo


 

"Labirinto", do diretor Moacir Chaves, esteve em cartaz nos dias 7, 8 e 9 de setembro, no Porto Alegre em Cena, no Teatro do Ciee.  


O espetáculo carioca reúne três textos - As relações naturais, A separação de dois esposos e Hoje sou um e amanhã outro - do célebre dramaturgo gaúcho Qorpo-Santo, todas mostrando a impotência do ser humano diante do paradoxo de uma estrutura social que o impede de viver de forma plena.
 O encenador Moacir Chaves, um dos mais aclamados diretores do teatro brasileiro, busca explorar ao máximo as possibilidades cênicas dessas obras pouco montadas - mas que continuam contundentes e atuais, pois os personagens de Qorpo-Santo mostram homens em choque com suas pulsões e desejos, envolvidos pelas hipocrisias institucionais da sociedade. Para o público gaúcho, foi uma oportunidade ímpar de (re) ver e refletir sobre a obra desse extraordinário autor que desenvolveu seu trabalho aqui, em Porto Alegre.


Os três textos selecionados pelo grupo, escritos em 1866, demonstram o sentimento de inadequação do autor e sua consciência fragmentada, traço que se reflete na encenação - em que todos os atores fazem todos os personagens.

"As Relações Naturais" narra a desorientação de uma família diante do conflito entre os instintos e a moral vigente. "Hoje Sou Um e Amanhã Outro" revela a fantasia de um monarca justo, digno e misericordioso no Império do Brasil. "A Separação de Dois Esposos" traz o que talvez seja a primeira cena gay do teatro brasileiro, na trama em que um homem chamado Esculápio e sua mulher, Farmácia, mantêm um casamento de aparências.


O gênio louco


Tido como louco, o gaúcho que acreditava incorporar Napoleão III tornou-se um dramaturgo revolucionário. José Joaquim de Campos Leão, que adotou o nome Qorpo-Santo (1829 _ 1883) após uma das iluminações, ou transes, que dizia ter. Natural de Triunfo, Qorpo-Santo transferiu-se, em 1850, para Porto Alegre, onde criou um grupo de arte dramática. Ao todo, escreveu 17 peças, uma delas incompleta. Sua produção ganhou notoriedade a partir dos anos 1960, por iniciativa do jornalista Aníbal Damasceno Ferreira e do diretor teatral Antônio Carlos de Sena. 

Em 1966, Sena levou a obra dele aos palcos, marcando a descoberta do autor por críticos como Yan Michalski, que disse tratar-se de um acontecimento que entraria para a história.


Apontado como um dos precursores do "teatro do absurdo", ao lado de dramaturgos como Beckett e Ionesco, Qorpo-Santo tem entre suas peças títulos como As Relações Naturais, Eu Sou Vida, Eu Não Sou Morte e Mateus e Mateusa. Em 1987, foi transformado, pelo escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, no protagonista do romance Cães da Província.
 O espetáculo Labirinto apresenta no mínimo uma leitura singular e carioca - produção, direção e atuação - do texto de Qorpo Santo. Com ele  o  público teve  a oportunidade de conhecer o viés do autor. Temas como desejo, infidelidade e governança pública são abordados nos três textos  da colagem.
A costura da peça é muito bem feita.  A proposta dos atores dobrarem os personagens dá ritmo e contribui na linha cômica das esquetes. O cenário simples, composto por mesas pretas e cadeiras brancas, distribuídas no palco, não compete com o elenco que usa figurinos da década 1960 e ocupa o espaço cênico sem deixar vazios.
Além do visual as músicas também são daquela década. Labirinto inicia e termina com Mercedes Benz, sucesso de Janis Joplin nos anos 60. O espetáculo utilizou destes recursos para lembrar, de uma maneira nada clichê, que o texto de Qorpo Santo foi redescoberto nesta época.
A Separação de Dois Esposos conta a história de um casal que tenta viver sob as “regras” impostas pela sociedade. Ele é funcionário público e ela dona de casa. A infidelidade e o prazer sexual vêm à tona nesta peça. As Relações Naturais é uma comédia em quatro atos onde um “lar” é transformado em bordel. As filhas são prostitutas, a mãe é a cafetina, e tem um caso com seu criado, e o pai é o cliente de suas próprias filhas. E Hoje Sou Um, e Amanhã Outro fala de governança pública e aborda questões bem atuais ao contar a história de um reino que sofre com a invasão de estrangeiros.
FCQS contatando o diretor Moacir Chaves para uma possível vinda do grupo a Triunfo.
FICHA TÉCNICA

Texto: Qorpo-Santo
Direção: Moacir Chaves
Elenco: Adriana Seiffert, Andy Gercker, Danielle Martins de Farias, Denise Pimenta, Diego Molina, Elisa Pinheiro, Fernando Lopes Lima, Gabriel Delfino, Gabriel Gorosito, Katiuscia Canoro, Leonardo Hinckel, Mariana Guimarães e Pâmela Côto
Figurino: Inês Salgado
Iluminação: Aurélio de Simoni
Cenário: Fernando Mello da Costa
Trilha sonora: Tato Taborda
Realização: Alfândega 88 Cia. De Teatro
Produção executiva: Danielle Martins de Farias, Diego Molina e Mariana Guimarães

FONTES: